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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Por um novo Instituto de Sintra


Na literatura e cultura portuguesas Sintra aparece com frequência na pena de poetas, estudiosos e visitantes. Já Camões dela fala em Os Lusíadas (Já a vista, pouco e pouco, se desterra/Daqueles pátrios montes, que ficavam/Ficava o caro Tejo e a fresca serra/De Sintra, e nela os olhos se alongavam/ Ficava-nos também na amada terra/O coração, que as mágoas lá deixavam/E já despois que toda se escondeu/ Não vimos mais, enfim, que mar e céu) e também Francisco de Holanda, Crisfal, Luísa Sigêa, Gil Vicente ou Sá de Miranda se mostraram atraídos pela sua serra lunar. É porém no período romântico que por influência dos poetas do lago e sob influência de viajantes como Beckford, Byron, Hans C. Andersen ou Lady Jackson que Sintra irrompe como local incontornável, e a prová-lo, as obras de Gomes de Amorim, Almeida Garrett, Eça de Queirós ou Castilho. E no século XX, Almada e Pessoa, Nunes Claro, Oliva Guerra, Francisco Costa, M. S. Lourenço. E vivos ainda, Maria Almira Medina, Liberto Cruz, Miguel Real, Sérgio Luís Carvalho, Filomena Marona Beja, Jorge Telles Menezes, Raquel Ochoa.

Pode dizer-se que a presença de Sintra nestes autores é muitas vezes incidental: meras sete linhas no Child Harold’s Pilgrimage de Byron ou umas frases soltas em Andersen, um percurso de Chevrolet em Pessoa ou os olhos de um gigante em Almada, o Lawrence e as pipas de Colares no Eça, a introspecção de sentimentos em Francisco Costa, Maria Almira ou Nunes Claro. Mas também na Casa Branca de Jorge Menezes, nos seus Novelos de Sintra, na chegada a Lisboa, avistando a Roca, do Julinho de A Voz da Terra de Miguel Real, no Anno Domini 1348 e os dramas do tabelião João Lourenço, de Sérgio Luís Carvalho, nos dramas sociais na Messa de finais do século XX de Bute daí Zé! de Filomena Marona Beja. Será isto suficiente para assinalar a existência de uma literatura de Sintra, ou serão afinal meros apontamentos de Sintra na literatura?

Em Sintra, a literatura é sobretudo apologética de um espaço cénico predominante, seja para lhe exaltar a paisagem, as plantas, as lendas e mistérios, seja como complemento de histórias com outras geografias, local para escapadelas dos dandys de Lisboa com suas Lolas espanholas, no século XIX, e igualmente refúgio esporádico de outros mais recentes (José Gomes Ferreira, Mário Dionísio, Vergílio Ferreira, etc).

Há porém os publicistas e historiadores, esses sim mais perenes: do Visconde de Juromenha a João António Silva Marques, de José Alfredo Costa Azevedo a Vítor Serrão, Cardim Ribeiro, João Rodil ou Teresa Caetano, Luciano Reis, Eugénio Montoito, Samuel Vicente, Jorge Trigo, Hermínio Santos, Almeida Flôr ou Carlos Manique da Silva, a quem a investigação e estudos sintrenses muito devem, e hoje sem um espaço de divulgação permanente, depois das efémeras experiências da Vária Escrita e da Sintria. E os autores de teatro: Nuno Vicente, João de Mello Alvim, José Sabugo, Rui Mário, Rui Brás entre outros, e novos poetas, como Bruno Vitória ou Filipe Fiúza. E pintores, arquitectos, analistas sociais, criadores de multimédia, programadores e facilitadores culturais.

A divulgação destes autores, obras e eventos tem sido nos últimos anos feita de forma avulsa, descontextualizada e sem grande visibilidade por parte das entidades oficiais, ou entregue à sociedade civil, com destaque para associações como a Alagamares, ou a revista digital Selene-Culturas de Sintra. Nesse contexto, pergunta-se: e porque não ressuscitar o Instituto de Sintra, que aborde as obras e a idiossincrasia dum espaço incontornável e marcante, eventualmente em moldes diversos dos experimentados algumas décadas atrás? Falta um Espaço a este Tempo, uma tribuna, um areópago, um poiso de ideias e repositório da inteligência local, multicultural e heterogénea, unidade pela diversidade de opiniões e saberes, mas aglutinadora da sua intersecção matricial, esta Sintra que muitos cantam e a muitos desencanta. Para que, como dizia Camões, citado no início deste texto, se guardem as mágoas que lá ficam.

Enérgico nos anos 40 e 50, com Oliva Guerra, José Alfredo ou José António de Araújo, em tempos houve o Instituto de Sintra, que pela segunda vez renasceu em Maio de 1983, com António Pereira Forjaz como presidente e Francisco Costa como presidente da Assembleia Geral, e foi sob sua égide que se realizou, por exemplo, o saudoso congresso sobre o Romantismo, e desenvolveram eventos e iniciativas que não mais voltaram a ocorrer com a mesma visibilidade e pujança, tendo, por minudências políticas, vindo depois a desaparecer. Aqui fica a sugestão para a criação de um grande espaço institucional que leve às escolas, ao mundo académico e ao grande público a Sintra da Cultura, à luz da experiência e evitando os erros do passado, que utilize ferramentas do século XXI, e envolva a sociedade civil, o mundo empresarial e editorial, a escola e a academia.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Visitar Sintra grátis aos domingos


Tem vindo a Parques de Sintra-Monte da Lua a praticar uma política permissiva quanto ao acesso dos visitantes munícipes de Sintra aos domingos de manhã, iniciativa, que, sendo meritória, se tem revelado contudo insuficiente, tendo em vista a plena fruição pelos residentes dos bens culturais Património da Humanidade de que Sintra é depositária, e a dificuldade de muitos agregados familiares, jovens, sobretudo, de conhecer a sua Memória e Herança, num quadro marcado pela predominância dos visitantes estrangeiros, e por uma política de ingressos que, sendo porventura adequada, frustra os fins de plena fruição cultural para que tais espaços vão sendo recuperados.

É sabido serem os monumentos nacionais visitados em maior número por estrangeiros, os quais representaram em 2012 85% das entradas, tendo, igualmente segundo números de 2012 referentes ao todo nacional, 69% dos visitantes pago um ingresso de entrada, enquanto 31% entrou de forma gratuita, e sendo que 19% das entradas gratuitas corresponderam à categoria das visitas aos domingos e feriados.

Contudo, verifica-se que se vem a registar uma diminuição significativa dos visitantes nacionais, derivado do facto de ser exíguo o horário praticado (apenas as manhãs de domingo), quando em muitos outros espaços igualmente com elevados encargos de conservação esse horário cobre períodos mais dilatados. Cite-se o Museu do Prado, em Madrid, que abre gratuitamente de 2ª a sábado das 18h às 20h, e domingos das 17h às 20h, ou o Museu Rainha Sofia, igualmente em Madrid, que abre gratuitamente nas tardes de sábado (das 14h30m às 21h) e domingos de manhã (das 10h às 14h30m).

O direito à fruição cultural está no artigo 27º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 13º e 15º do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Deve pois envidar-se todos os esforços para que todas as pessoas participem na vida cultural e acedam aos bens culturais, como forma de acesso à educação e à cultura, devendo de acordo com o nº2 do artº 78º da Constituição da República Portuguesa promover-se não só a salvaguarda e a valorização do património cultural, mas torná-lo elemento vivificador da nossa identidade cultural comum, o que só uma plena fruição traduzida no acesso aos locais e sua apreensão valorativa pode garantir.

Só pode criar cultura quem fruir da cultura, e o direito de acesso aos bens culturais deve compreender o direito de acesso ao património cultural (artigo 78º, nº 1 e nº 2, alínea a), 2ª parte, e alínea b), 2ª parte, e, em especial, artigo 72º, nº 1 da Constituição). Se é certo ser a PSML uma empresa que tem de racionalizar a gestão do património e actuar em conformidade com as receitas percepcionadas, é seu desiderato enquanto fiel depositária da parte mais nobre do Património da Humanidade de Sintra potenciar igualmente estes valores e objectivos, no que a dispensa de pagamento de entradas aos residentes em Sintra durante todo o dia de domingo significaria um passo relevante nesse sentido. Sendo já uma tradição da PSML "abrir para obras", que agora "abra para todos".

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Sintra e o mundo há 100 anos





Há cem anos, em 1915, o mundo vivia em guerra. O Canal do Suez era fechado a todos os navios de países neutrais, e na Flandres os alemães usavam pela primeira vez gás em operações bélicas, enquanto na Arménia ocorria um massacre que provocou mais de milhão e meio de vítimas. Os alemães ocupavam Varsóvia e a Bulgária entrava na guerra, ao lado das potências centrais.


Entre nós, ainda a discutir a entrada na guerra, o presidente Manuel de Arriaga via-se confrontado com o Movimento das Espadas, um conflito entre oficiais do exército e o governo. No meio de greves e da escassez de pão, o horário de trabalho dos operários era fixado entre 8 a 10 horas, o dos empregados de escritório em 7 e o do comércio em 10, com intervalo de 2 horas para almoço. De de Janeiro a Maio governou Pimenta de Castro, sem aprovação do Parlamento, seguindo-se governos de João Chagas (que, alvo de um atentado, ficou gravemente ferido e cego de um olho) José de Castro, e já em Novembro, de Afonso Costa, recuperado de um traumatismo craniano provocado pela saída em andamento de um eléctrico, escapando de um atentado. Em Maio, Manuel de Arriaga demitia-se da presidência e era interinamente substituído por Teófilo Braga, até Outubro, quando o parlamento elegeu Bernardino Machado para o lugar. No plano cultural, realce para a publicação do primeiro número da revista Orpheu, fundada por Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, e Norte Júnior, arquitecto com fortes ligações a Sintra vencia o Prémio Valmor, com o edifício com o nº 206 da Avenida da Liberdade.


Em Sintra, no início do ano, Francisco Martins presidia à comissão executiva da Câmara e em Fevereiro era inaugurado o teatro da Tuna Operária, na Estefânea. Inocêncio Camacho e Antónia Garcia de Castro constituíam a Liga dos Amigos da Praia das Maçãs, era publicado o jornal A Árvore, dirigido por António Cunha, fundada a Colónia Penal Agrícola, e construídos o chafariz da Rua Sotto Mayor e a fonte de Seteais, da autoria de José da Fonseca. As adegas Viúva Gomes, de Almoçageme, venciam o Grande Prémio da Exposição Mundial Panamá-Pacífico, e já no fim do ano, morria Carlos Sassetti, o dono da Quinta da Amizade.